terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Invenção do Mar...

Teciam carícias como flores. Sobre a relva, os corpos ébrios de espaço. O rodopio. O céu e terra misturavam-se na vertigem. Depois exaustos, caiam e (en)rolavam-se. Em fusão de adolescência e primavera. Então ele tecia grinaldas de malmequeres e enfeitava seus cabelos. Em glorificação pagã de tempos futuros, pois agora nada sabia(m): era(m) inocente pulsão de vida. Ela ria. O marfim dos dentes, o vermelhão húmido dos lábios, os seios a despontar no estampado da blusa. Ele atrevia-se. Por vezes, ao joelho destapado. E a mão a subir à coxa, tremendo de novidade e emoção.

E a voz esquiva, no sorriso:

- “Está quieto. Aí, não!...”

E corriam, de pássaros nos olhos, levantando revoadas...

O sol criava reflexos de oiro nos olhos verdes de Joaninha. Queimavam. Ele abrasava no sangue revolto. Ofegante, crescia. E olhava-a, fervilhante:

- “Dá-me um beijo!...” – dizia em oração murmurada.

Perversa e risonha, apontava o rosto. Desiludido e amuado, teimava:

- “Tu prometeste. Dá-me um beijo!...”

Ergueu-se majestosa. Com a mão, em concha, a proteger os olhos, alargando o olhar para além do horizonte, sorriu, em arrepio de infinito:

- “Dou-te um beijo, se me disseres onde fica o mar...”

O adolescente inventou o mar naquela tarde ...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Volto a ti...

Volto a ti, Maria Adelaide, como quem depois da caminhada e da poeira pretende a fonte. Sei que abres o regaço e que os teus dedos estão disponíveis para carícia. Porque venho? Sei que te interrogas. E eu que a ti regresso sempre como porto antigo que conhece o barco e os ventos e a brisa que aportam a ti...

Não, não é a Flavia!... A Flávia é agora apenas o limbo. O ponto neutro de que nada se espera. Apenas o vinho que se (de)gostou e de que se guarda a última garrafa. Que por certo nunca será aberta. Sabe-se lá se vai resistir ao tempo!...

Não. O que me traz a ti e este enamoramento de coisa nenhuma. Desse corpo inventado que me persegue. O rosto que os meus dedos desenham no vazio. Vejo o teu sorriso: -“meu pobre Manuel, continuas a acreditar nas tuas fantasia, como se elas fossem alimento. Sabes que gosto muito de ti e dos teus poemas, mas a vida é outra coisa.E devias saber que foste o sopro da minha regeneração como Mulher, mas não te iludas...”

Atalho o teu discurso. Não é um regresso que procuro. Apenas esta esvoaçante brisa que a tua presença encerra... Um sopro de coisa nenhuma que atravessa os meus dedos abertos, como areia em delírio de crianças...

E antes de falarmos do teu divórcio e do que se seguiu quero-te ainda assim frágil e disponível. Apenas o seio. As palavras que espero. Que sejam não o lenitivo, mas o entendimento desta emoção.

Sabes? Num assomo de ainda te reter, apetecia-me convidá-la. A ela, sim. Rever com ela os locais. Nossos. Sentir, com ela, por exemplo, o travo da noite quente de Alfama de que o Stº António foi pretexto. Lembras-te? O João, teu marido, nos seus múltiplos afazeres estiveram a semana fora.

E chamas-te, no teu capricho: “quero que esta noite seja nossa!”. E foi...

Subimos Alfama enlaçados. Misturamos o corpo e os sentidos na multidão. Senti o cio de teu corpo de encontro ao meu. Bebeste vinho pela minha mão. Sentiste pulsar do Povo reguila e fadista, semi alienado na sua vocação de povo alegre por devoção do santo protector. E os turistas basbaques, fingindo divertir-se...

Sorvi contigo os cheiros de África da tua meninice. Em teus olhos novas descobertas. Os meus, teus escravos...

E subimos colina acima. Mostrei-te o que sabia e na noite nos demos. Nas escadas em caracol até ao leito nos beijamos. E nos amamos com a Lua caprichosa apontando-nos o dedo...

Lá fora era a festa. Em nossos corpos o tempo escoava suave... Como fruto perfumado