segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Meu amigo Remédios anda em baixo de forma...

O meu amigo Quim Remédios anda em baixo. Os leitores/as mais atentos/as recordar-se-ão, certamente, do Remédios. Como tive oportunidade de contar noutra encarnação, a alcunha de “remédios”, colada como marca, ou destino, ao afável nome de baptismo do meu amigo, provem da circunstância de, nos tempos de estudante de medicina, ter receita pronta, sempre que amigos ou simples conhecidos, o assediavam, perante doença verdadeira ou imaginária.

-“Oh pá, f...! É remédio santo!...”- rematava o Quim, em todas as emergências, com uma valente palmada nas costas. Daí o “remédios”...

É verdade que, na matéria, o meu amigo não era nenhum teórico. Cultivava, antes, o gosto prático dos artesãos. Praticava a “receita” e respirava saúde, como então vos disse... Daí a densidade do actual drama do meu amigo, quase a assumir foros de tragédia...

Pois é verdade! Um dia destes encontrei-o em casa amigos comuns. Mal me viu entrar, do outro lado da sala, o Quim percorreu os metros que nos separavam, meteu o braço no meu e, enquanto nos afastávamos para um canto discreto, atirou-me:

-“Oh pá, tenho um grande problema! Um verdadeiro drama...” – esclareceu, ansioso.

Conheço bem a vocação teatral do meu amigo e a euforia dos seus gestos e atitudes. Sei, por isso, que os seus exageros acabam sempre por se reduzir a expressão mais simples, nos “dramas” com que, por vezes, pinta a vida (a sua vida!).

Estive, por isso, quase tentado a devolver-lhe a expressão que o tornou célebre : “oh pá, f...! é remédio santo!..” Ainda bem que o não fiz, pelas razões que irão ver. Porém, não pude deixar de saborear um certo gozo intimo, perante o sofrimento do meu amigo...

Limitei-me, pois, a lançar um olhar distraído, entre irónico e curioso e, como era de esperar, referi-lhe que os amigos são para as ocasiões: - “vê lá Quim se eu te posso ser útil nalguma coisa...” -, bem sabendo eu que a próspera actividade clínica do meu amigo, com uma clientela da moda, o afastariam, à partida, de quaisquer preocupações materiais, pelo que a minha disponibilidade não ultrapassaria o razoável plano “do apoio moral”.

Então o Quim puxou-me para ele e, com o seu braço atlético sobre os meus ombros, segredou-me que padecia de uma qualquer enfermidade, declinando um daqueles palavrões médicos, impronunciáveis para quem não seja iniciado...

Impávido, fixei-o, procurando discernir, na sua expressão, a gravidade da doença. Ante o meu silêncio, compreendendo, por certo, que eu ficara a zero, quanto à natureza dos seus males, o Quim puxou-me ainda mais e segredou uma expressão em latim, de cujo sentido apenas retive vagamente o significado de erectus.

E, antes que eu pudesse exortá-lo a falar português corrente, o Quim Remédios, do alto do seu metro e noventa, desancou-me:

- “Porra, estás cada vez mais burro! Estou a ficar impotente, disfunção eréctil, percebeste, pá?! “- quase gritou! E num tom mais suave : - “ultimamente, tenho-me ido a baixo e não encontro graça nenhuma, pá!...”

Confesso que a minha gargalhada brotou espontânea e sem qualquer intenção de apoucar o meu amigo. Contudo, não resisti a uma pequena farpa:

- “Mas Quim, o especialista na matéria és tu! Nisso não te posso valer!... Acontece aos melhores...” – declarei, procurando conter o riso e desembaraçando-me do abraço.

E, percebendo o Quim mais descontraído, pelo benéfico efeito da minha gargalhada, alarguei o olhar a sala e inquiri-o, apontando o corpo crepitoso da Zélia, uma morenaça espampanante, a rebentar de cio, no seu tailler rouge:

- “Não me digas que a maravilhosa “botija sentimental – é assim que amorosamente a designa -, que tiveste o muito bom gosto de eleger como último trofeu, não é capaz de fazer o milagre?!...”

E, sibilino, acrescentei num sorriso malévolo: - “ E que tal se lhe comprares lingerie a condizer?!...”

Então o Quim, descoroçoado:

- “Nada que não tivesse tentado, pá!..”- retorquiu – “mas imagina tu que uma noite destas, quando lhe mandei pôr umas cuequinhas de seda preta, a gaja teve o desplante de me dizer : “Para quê?!... Só se queres ver a minha passarinha de luto!..”

Vocês acham que o meu amigo Remédios, tem "remédio"?!... Francamente, começo a duvidar...

domingo, 12 de outubro de 2008

Em tarde de Outono...

Levantaram-se e saíram. Ele desejou que para dentro do automóvel. Mais uma vez ela trocou-lhe os desejos. Em lugar da intimidade do espaço fechado, onde as mãos poderiam circular e o diálogo da pele dar sequência ao diálogo ainda quente das palavras e dos olhares, ela optou pela extensão da areia deserta e o horizonte infinito da tarde do Outono...

Seguia-a. Deslaçou o nó da gravata e, com o casaco atirado sobre o ombro, seguiu-a. Sentiu-se um pouco ridículo de fato e gravata, a percorrer a praia, bem sabendo que algures, na cidade, a sua ausência seria comentada. Mas seguia-a ...

- “Que se lixem, não quero saber da reunião para nada!” – observou, entre dentes, detendo-se por momentos nos compromissos profissionais da tarde.

Tentou passar-lhe o braço pelos ombros, aconchegando-a, mas ela desfez a carícia. Soltou os cabelos em cascata, sacudiu a cabeça fulva e rebelde e prosseguiu, cadenciada. A maresia inundava as narinas dilatadas. O sol ainda quente, queimava os poros. Uns passos atrás ele segui-a. Sempre... Dominado o impulso. Serenando o sangue. Tecendo caprichos no bambolear das ancas dela...

Os passos deixavam marca da passagem de um homem e de uma mulher na solidão tarde, que caía!...

- “Gostava de te saber nua!..” disse, num murmúrio, saído do âmago do desejo, que ela tão bem adivinhava...

Voltou-se ela, num sorriso. E, sem nada o fazer prever, deixou cair das mãos as sandálias descalças, soltou as alças do vestido e a nudez soberba de seu corpo explodiu na serenidade plena da tarde...

(Um homem perplexo, uma mulher nua e a paisagem, apenas. Sem outra glória, nem crime. Apenas o crepitar do momento único...)

Correu, como corça acossada, desejando o fogo predador. Ele sorriu. Dobrou-se, alcançou as peças de roupa abandonada e segui-a. Passo a passo, antecipando o momento. Saboreando o prazer pagão de dádiva da vida ...

Metros adiante, ocultada por uma rocha milenar, com as ondas lambendo-lhe os pés, estendida no alcochoado da fina areia, ela ali estava expectante em sua nudez exposta...

- “Ofereço-te o livro do meu corpo. Saberás decifrar as suas letras?!... “ – exclamou, em convite sorridente.

( À distância, Eric Rommer filmava e sorria...)