domingo, 23 de novembro de 2008

Os Figos da Sãozinha

Não sei por que artes ou manhas a Sãozinha soube da presença do Rapaz na cidade. A verdade, porém, é que acabara de se sentar numa esplanada, rodeado de jornais, quando telemóvel deu um sinal discreto.

- “Tens que vir ao meu “paraíso”! – solta a Sãozinha, sem aviso prévio.

O Rapaz ficou apavorado. Naquela manhã, apetecia-lhe antes ficar por ali, deambulando pelos locais e pela memória, sem outro compromisso que não fosse consigo próprio.

Mas quem resiste a um apelo da Sãozinha?... Por isso, antecipadamente vencido, gracejou:

-“Mas tu tens “paraíso”, Sãozinha?!... Que eu saiba, não te chamas Luísa, nem eu uso bigode”! – acrescentou o Rapaz divertido, numa vaga alusão queiroziana, ao celebre “Paraíso” do romance e ao celebrado “beijo” do primo Basílio.

-“E quem te disse a ti que és “primo”? – carregou ela, numa subtil passagem semântica de “primo” a “primeiro”...

E em gargalhada provocatória:

- “Aparece e não te armes em “esquisito”. Reservo-te bem melhor!...”.

Foi, claro!... A instituição de que a Sãozinha é administradora, directora executiva, consultora cultural e investigadora emérita está sediada na parte velha da cidade, numa colina sobranceira, cujo imóvel, acompanha as vicissitudes da história pátria. Convento franciscano na Idade Média, “casa da roda” com os constitucionalismo liberal, acolhimento de pobres e de órfãos na primeira República.

O Estado Novo acabou (como todos sabemos) com os pobres e os órfãos e instalou no edifício a Legião Portuguesa e o Arquivo Distrital. Foi, ainda, depois de 25 de Abril, sede de uma Associação Revolucionária e Popular, cujo projectos de Creche e Lar da 3ª Idade cedo estiolaram, no refluxo da euforia democrática.

Até que a Sãozinha lhe deitou mão. Como um furacão. Do histórico edifício resta o casco. Madeiras exóticas e mármores importados substituem agora os castanhos embutidos e as pedras seculares. Mas está certo. A Sãozinha merece o melhor e a Câmara é rica... Então não é mesmo uma glória aquelas portas automáticas abrindo-se em alas, à passagem da Sãozinha em majestade?!...

O Rapaz confessa-se deslumbrado, ora!...

A Sãozinha segurou-o pela mão, atravessaram em passo acelerado gabinetes, auditórios, salões, estúdios. Todos naturalmente desertos, está bom de ver... Mas não pensem que a Sãozinha não trabalha. Não!... Trabalha, pois!... A Sãosinha tem um adjunto. Um “burgesso” - como ela afirma – que essa manhã, expeditamente enviara a “despacho” com o Presidente da Câmara.

Portanto, integralmente sós, a Sãozinha e o Rapaz, no enorme casarão!...

Passadas as instalações da velha cozinha, finalmente, o “paraíso” da Sãosinha. No espaço ajardinado do que fora a antiga horta conventual, à sombra de um velho freixo, entre uma figueira e uma nogueira frondosas, a Sãosinha mandou instalar, presa no ramos as árvores, uma rede de baloiço, onde, como uma diva concupiscente, enquanto zela pela bem estar cultural da cidade, sonha com arroubos poéticos e fantasias inconfessáveis...

No centro do espaço, um mesa de pedra, com um vistoso cesto de figos. E o Rapaz numa vaga ironia:

- “Quem te segurou o escadote para colheres os figos?!...”, bem sabendo que altura roliça da Sãosinha não lhe permitiria alcançar os galhos da figueira.

- “ Mandei o “burgesso” colhê-los. Para tu os comeres, meu Príncipe!...” - disse, enquanto repenicava um beijo meloso...

O Rapaz tremeu e imaginou o “pior”. Sentou-se. Ao colo a Sãosinha. Sem cerimónia, puxou-lhe as mãos para as coxas, por debaixo da saia plissada, enquanto, por sua vez, esfolava, perdão, com seus delicados, dedos retirava a pele dos figos...

Com a boquinha “rosa rosae” debicava levemente e introduzia depois, um a um, partidos ao meio, os figos nos lábios do Rapaz, entre beijos frenéticos e gargalhadinhas de prazer. Cedo o Rapaz se apercebeu que debaixo da saia, a Sãosinha apenas trazia a sua pele tisnada e firme. (a Sãosinha não dispensa 15 dias de verão no sul de Espanha, com a família)!

Prestou-se ao jogo, por momentos, o Rapaz. Depois, já um pouco enjoado (os figos são indigestos), soltou-se da Sãosinha e perguntou meio sério, meio a rir:

-“Ó menina, tu queres empanturrar-me?!... Olha que depois eu não me mexo!...”

Então a Sãosinha, inesperadamente, dobrou-se sobre a mesa, levantou até à cintura a saia plissada, com os dedos abriu o abismo das suas carnes e, num suspiro de lúbrico, gemeu:

- “É teu. Dou-te. Come-o!...

Que pode um homem fazer em tamanha emergência?!... O Rapaz ergueu-se e... fez-lhe a vontade! Chamou-lhe um figo!...

Do meio da folhagem do freixo, um melro cantador, soltou um assobio trocista!...

Que alarve de pássaro!...

5 comentários:

vida de vidro disse...

Esta Sãozinha tem que se lhe diga... E o Rapaz que o diga, a empanturrar-se de figos! :)
Sinceramente, é uma das tuas personagens mais divertidas. **

Mar Arável disse...

Nos pomares

e nas hortas

os pássaros

também são filhos

da natureza

Venham mais cinco

Patanisca disse...

um beijo enorme, um desejo de um Bom Natal, de felicidade e amor nos corações.

mariam [Maria Martins] disse...

... não nos temos visitado!
Felicidades e Afectos nesta quadra Natalícia, prolongando-se por todo o ano 2009, são os meus votos.

um abraço
:)
mariam

São disse...

As aves não são parvas, os humanos sim

Saudações